Bethan Jinkinson
Do Serviço Mundial da BBC
Maria Toorpakai Wazir, de 22 anos, é uma jogadora de squash com
uma promissora carreira internacional.
Nascida no Waziristão, uma região altamente conservadora do Paquistão, ela
teve de se fazer passar por um menino quando decidiu abraçar o esporte. Depois,
sofreu inúmeras ameaças por praticar squash usando shorts.
''Sou uma guerreira, nasci uma guerreira. Morrerei uma guerreira'',
afirma.
Maria Toorpakai é corajosa. E teve de ser para jogar squash em uma região em
que até a educação escolar é negada a meninas.
Islâmicos conservadores ameaçaram Maria e sua família pela
prática de squash
Quando ela tinha quatro anos de idade, teve de vestir as roupas de seu irmão,
cortou os cabelos curtos e teve todas suas roupas de meninas queimadas.
''Meu pai começou a rir e disse, 'Lá vamos nós, temos um Gengis Khan na
família''', conta ela, em referência ao guerreiro mongol do século 12.
Ao ficar mais velha, Maria constantemente se envolveu em brigas. Ela conta,
no entanto, que essa foi a forma pela qual ela acabou fazendo amigos. ''Minhas
mãos, cotovelos e joelhos estavam sempre sangrando. Meu rosto e meus olhos
estavam sempre inchados.''
'Gengis Khan'
Há dez anos, quando estava com 12, seu pai decidiu canalizar as energias da
jovem para o esporte, mais especificamente para o levantamento de peso.
''Ele ficava meio constrangido em contar às pessoas que eu era uma menina,
por isso, dizia: ''Esse é meu filho e o nome dele é Genghis Khan'', lembra
Maria.
Após alguns meses, ela foi registrada
em um torneio para meninos - e venceu.
''Ter dado a ela um falso nome de
menino permitiu que ela participasse dos jogos que queria'', afirma o pai de
Maria, Shamsul Qayyum Wazir.
"Na época, alguém me disse que
se ela continuasse a levantar pesos, ela não cresceria mais, e iria ficar
atarracada e pesada. Então, eu incentivei o interesse dela pelo squash'',
afirma o pai.
Squash é um esporte popular no
Paquistão e o país já produziu vários campeões mundiais. As paquistanesas
também jogam, ainda que não no Waziristão ou em outras áreas tribais altamente
conservadoras.
Amor à primeira vista
Maria conta ter se apaixonado pelo
esporte logo que assistiu a uma partida. ''Eu gostava de como os meninos tinham
determinação, gostava das belas raquetes, das bolas de squash, dos uniformes.''
Seu pai a levou para uma academia de
squash em Peshawar, administrada pela Força Aérea Paquistanesa.
Maria contou com o incentivo do pai para praticar o esporte
Em seu primeiro mês praticando squash,
as pessoas não sabiam que ela era uma menina. Quando a verdade veio à tona,
outros jogadores começaram a provocá-la.
''Eles costumavam me provocar, falar
palavrões. Era intolerável e desrespeitoso, um bullying extremo'', lembra a
jovem.
Ela não desistiu. Se trancava na
quadra de squash e jogava por horas, da manhã até a noite, mesmo terminando com
as mãos inchadas e até sangrando.
O esforço foi recompensado. Ela
venceu vários campeonatos juvenis e se tornou profissional em 2006. No ano
seguinte, recebeu uma premiação do presidente do Paquistão.
A exposição também rendeu problemas a
ela e à sua família na tensa região em que ela vive.
As forças paquistanesas têm lutado
para manter controle sobre as tensas regiões tribais ao longo da fronteira do
Paquistão com o Afeganistão, que abriga militantes da milícia islâmica
extremista Talebã.
Violência contra meninas
Foi nessa região fronteiriça que, em
outubro de 2012, um atirador ligado ao Talebã feriu gravemente na cabeça a
blogueira Malala Yousafzai, de 14 anos, que militava pelo direito de meninas
irem à escola.
A despeito das dificuldades, Maria
conquistou o terceiro lugar no torneio mundial juvenil
''Na nossa região, meninas não podem
nem mesmo deixar as suas casas'', explica o pai de Maria. ''Elas usam véu o
tempo todo e estão sempre acompanhadas de homens de sua família. Quando as
pessoas viram Maria e perceberam que ela não usava véu e jogava de shorts,
ficaram chocadas. Eles disseram que ela trazia desonra para nossa tribo e
criticaram-na muito por isso.''
Uma carta contendo ameaças foi
deixada no carro do pai da jovem, dizendo que jogar squash era
''anti-islâmico'' e que se ela não abandonasse a prática do esporte sofreria
''graves consequências''.
Mas a Federação Paquistanesa de
Squash forneceu à jovem atleta segurança, montando um posto de controle próximo
à sua casa, e posicionando atiradores de elite perto da quadra onde ela jogava.
Mas Maria começou a temer que poderia
estar colocando a segurança de outros em risco. ''Uma quadra (moderna) de
squash tem muito vidro. Se uma bomba explode dentro da quadra, muitos inocentes
poderiam morrer'', afirma.
Busca incessante
Foi então que seu pai decidiu que era
melhor enviá-la ao exterior. Para conseguir isso, ela passou a enviar
diariamente, ao longo de três anos e meio, e-mails para clubes, academias,
escolas e universidades no ocidente. Quaisquer locais que contassem com uma
quadra de squash.
Um desses e-mails chegou ao campeão
canadense de squash Jonathon Power. Ele descobriu que ela havia chegado em
terceiro lugar no Campeonato Mundial Feminino Juvenil de Squash. ''Eu mal pude
compreender que uma menina daquela parte do mundo quisesse virar uma
profissional de squash. Mas pensei, 'isso é uma tremenda conquista'. Então,
tive de achar uma maneira de ajudá-la.''
Ele respondeu, se prontificando a
ensiná-la a jogar no Canadá.Alguns meses depois, em 2011, ela chegava a Toronto
para começar a treinar com ele.
''Ela tem talento e determinação para
se tornar a melhor jogadora do mundo. Vai demorar um pouco, ela passou uns
quatro anos evoluindo pouco porque ficava praticando apenas em seu próprio
quarto'', afirma.
Mas agora, acrescenta, seu instrutor,
''ela está em um excelente ambiente e conta com pessoas notáveis a seu
redor", comenta.
Atualmente, Maria é a melhor jogadora
de squash de seu país e ocupa a 49ª posição no ranking mundial feminino.
O pai de Maria não esconde o seu
orgulho pela filha.
"O Paquistão e todo o mundo
islâmico deveriam estar orgulhosos dela", diz ele.
"Em nossa sociedade as pessoas
comemoram quando nasce um menino e lamentam quando nasce uma menina - essa
atitude tem que mudar. Gostaria que todas as garotas de tribos tivessem as
mesmas chances que outras".